terça-feira, 22 de novembro de 2011

Bertolt Brecht - Perguntas a Um Homem Bom

Avança: ouvimos
dizer que és um homem bom.
Não te deixas comprar, mas o raio
que incendeia a casa, também não
pode ser comprado.

Manténs a tua palavra.
Mas que palavra disseste?
És honesto, dás a tua opinião.
Mas que opinião?
És corajoso.
Mas contra quem?
És sábio.
Mas para quem?
Não tens em conta os teus interesses pessoais.
Que interesses consideras, então?
És um bom amigo.
Mas serás também um bom amigo de gente boa?

Agora escuta: sabemos
que és nosso inimigo. Por isso
vamos encostar-te ao paredão. Mas tendo em conta os teus méritos
e boas qualidades
vamos encostar-te a um bom paredão e matar-te
com uma boa bala de uma boa espingarda e enterrar-te
com uma boa pá na boa terra.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Nuno Júdice, A Vida

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.


Nuno Júdice, in "Teoria Geral do Sentimento"

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

patti smith - alguns de nós nascem rebeldes

" alguns de nós nascem rebeldes. lembro-me de passear com a minha mãe pelas montras e lhe perguntar porque é que as pessoas não as partiam. ela explicou-me que existem regras tácitas de comportamento social, e que era assim que nós coexistíamos como povo. senti-me instantaneamente limitada pela noção de que nascemos num mundo em que tudo foi já ordenado antes de nós. eu esforçava-me por suprimir os impulsos destrutivos, trabalhando em vez disso os impulsos criativos. mesmo assim, aquele pequeno ódio às regras que havia em mim não morrera. "

huxley - A Inconsistência Humana

Que todos os homens são iguais é uma proposição à qual, em tempos normais, nenhum ser humano sensato deu, alguma vez, o seu assentimento. Um homem que tem de se submeter a uma operação perigosa não age sob a presunção de que tão bom é um médico como outro qualquer. Os editores não imprimem todas as obras que lhes chegam às mãos. E quando são precisos funcionários públicos, até os governos mais democráticos fazem uma selecção cuidadosa entre os seus súbditos teoricamente iguais.
Em tempos normais, portanto, estamos perfeitamente certos de que os Homens não são iguais. Mas quando, num país democrático, pensamos ou agimos politicamente, não estamos menos certos de que os Homens são iguais. Ou, pelo menos - o que na prática vem ser a mesma coisa - procedemos como se estivéssemos certos da igualdade dos Homens.
Identicamente, o piedoso fidalgo medieval que, na igreja acreditava em perdoar aos inimigos e oferecer a outra face, estava pronto, logo que mergia novamente à luz do dia, a desembainhar a sua espada à mínima provocação. A mente humana tem uma capacidade quase infinita para ser inconsistente.

Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"

patti smith

' nos meus períodos de quebra, punha-me a pensar para que é que servia criar arte. a quem se destinava? estaremos a animar Deus? estaremos a falar para nós mesmos? e qual era o derradeiro objectivo? termos a nossa obra enjaulada nos grandes jardins zoológicos do mundo das artes - o Modern, o Met, o Louvre? '

chelsea hotel, NY

" O hotel é um enérgico e desesperado ponto de abrigo para imensas crinças dotadas e carentes saídas de todos os níveis da escala. Vagabundos com guitarras e beldades pedradas trajando vestidos vitorianos. Poetas junkie, dramaturgos, cineastas sem tostão e actores franceses. Toda a gente que passa por aqui é alguém, mesmo que não seja ninguém no mundo lá de fora.

A vida no Chelsea era uma feira franca, onde toda a gente tinha algo de si para vender. Toda a gente tinha algo para oferecer e ninguém parecia ter muito dinheiro. Até os mais bem sucedidos pareciam dispor apenas do suficiente para poderem viver como vagabundos extravagantes.

Havia rumores de que as malas do Oscar Wilde continuariam a repousar algures na cave, que muitas vezes se inundava. Fora ali que Dylan Thomas, alagado de poesia e de ácool passara as suas últimas horas. Que o Thomas Wolfe lavrara centenas de páginas do manuscrito que viria a constituir You Can't Go Home Again. O Bob Dylan tinha composto a "Sad-Eyed Lady of the Lowlands" no nosso piso.

Toda a gente escrevera, conversara e convulsionara naqueles quartos de casa de bonecas vitoriana. Tantas saias haviam roçado aqueles degraus de mármore já gastos. Tantas almas em trânsito se haviam ali desposado, deixado marcas e sucumbido. Eu cheirava os espíritos deles enquanto saltitava silenciosamente entre um andar e outro.

O Gregory Corso, o Allen Ginsberg e o William Burroughs foram todos eles meus professores, e todos eles cruzaram o átrio do Hotel Chelsea, a minha nova universidade. "


Patti Smith
NY, 1969/70

baudelaire - contradizer-se

"Na declaração dos direitos do homem esqueceram-se de incluir o direito a contradizer-se."

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Alberto Caeiro

' pensar incomoda como andar à chuva . '

just kids - nascidos à 2ª feira .

' ... hoje era segunda-feira; eu nascera numa segunda feira. era um bom dia para chegar a nova iorque. ninguém me esperava. toda a gente me aguardava. '

pedro paixão - a rapariga errada

' sim, estou um bocadinho apaixonada, ou muito apaixonada, ou terrivelmente apaixonada. isso não sei. só se sabe depois. depois de tudo acabar. mesmo o mais belo amor. o futuro tem nome de morte. '

Baudelaire, La voix.

"Eu rio-me nos funerais e choro nas festas
e encontro um gosto suave no vinho mais amargo;
com frequência tomo os factos por mentiras
e, de olhos postos no céu, caio em buracos.
Mas a voz consola-me e diz-me: «Guarda os teus sonhos;
os sábios não os têm tão belos como os loucos.»

Baudelaire,
La voix.

a resposta de Proust à iminência de um cataclismo !

(...)
Julgo que se recaísse sobre nós uma ameaça de morte, como referiu, a vida nos pareceria subitamente maravilhosa. Imagine quantos projectos, viagens, ligações amorosas, estudos, ela - a nossa vida - esconde de nós, tornados invisíveis pela nossa preguiça que, certa da existência de um futuro, os adia incessantemente.
Porém, se tudo isto estivesse na iminência de se tornar impossível para sempre, quão maravilhoso voltaria a parecer! (Ah! se o cataclismo não ocorrer desta vez, não sentiremos falta de visitar as novas galerias do Louvre, de nos atirarmos aos pés da menina X, de fazer uma viagem à Índia...)
O cataclismo não acontece e nós nada fazemos porque estamos de novo no centro da vida normal, onde a negligência adormece o desejo. E, porém, não deveríamos precisar do cataclismo para amarmos a vida hoje. Deveria ser suficiente pensar que somos humanos e que a morte pode chegar esta noite.


Marcel Proust
L'intransigeant, verão de 1922

Baudelaire (a melancolia de Paris)

«Um olhar experimentado nunca se engana. Nesses traços rígidos e abatidos, nesses olhos cavos e ternos, ou brilhantes dos derradeiros clarões da luta, nessas rugas numerosas e profundas, nesses passos tão lentos e tão bruscos, decifro imediatamente as inúmeras lendas do amor traído, da dedicação ignorada, dos esforços não recompensados, da fome e do frio humildemente, silenciosamente suportados.» 
Charles Baudelaire, “A Melancolia (Spleen) de Paris”, Lx., Rel. D’Água, 2007, p. 41

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

isak dinesen - hannah arendt

' todas as mágoas são suportáveis quando fazemos delas uma história ou contamos uma história a seu respeito. '

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

al berto

' caminhávamos dentro do nosso próprio eco.'

al berto

' procurei-te nos escombros duma guerra antiga / no buraco de uma bala '

autor desconhecido

‎' confessa lá, toda a gente tem segredos que não conta nem a si próprio '

pedro paixão

'quero ver-te antes que morras. estou farta de te ler, quero ouvir-te as palavras. estou farta das tuas histórias, quero viver numa delas. senão, mato-te.'

21 grams (movie)

How many lives do we live? How many times do we die? They say we all lose 21 grams... at the exact moment of our death. Everyone. And how much fits into 21 grams? How much is lost? When do we lose 21 grams? How much goes with them? How much is gained? How much is gained? Twenty-one grams. The weight of a stack of five nickels. The weight of a hummingbird. A chocolate bar. How much did 21 grams weigh?

autor desconhecido

Temos, em muitas línguas, setenta verbos para matar e apenas um ou dois para salvar. Temos trinta verbos para mentir e nenhum para dizer a verdade. Estamos, pois, esclarecidos quanto às profundas inquietações do ser humano.

pela palavra ...

pela palavra amamos, pela palavra odiamos; pela palavra abençoamos ou condenamos; pela palavra prometemos e nos comprometemos; pela palavra asseveramos e mentimos, receamos e encorajamos, insinuamos e ofendemos, desculpamos e perdoamos; pela palavra construímos ou destruímos; pela palavra nos emocionamos, pela palavra nos encontramos e nos desencontramos; pela palavra vivemos; pela palavra matamos.

pedro paixão

' nao deve haver lugar mais belo para duas pessoas se encontrarem que no interior das páginas de um grande romance. '

pedro paixão

' procuras-te em alguém que igualmente ignora quem é. que em ti persegue o mesmo que tu nele persegues '

pedro paixão

' o corpo dele nunca é teu senão numa tontura que não dura. o teu corpo nunca o podes oferecer por mais que te queiras livrar dele. a pele com que tocas e és tocada é a mais fina das prisões de onde ninguém escapa. na verdade, apenas desejas o que não alcanças, porque a satisfação dura o exacto tempo de se desfazer em nada. e tudo por causa de uma frase que pôs fogo nos teus dedos . '

pedro paixão

' não sei se foste tu que me encontraste ou eu que te encontrei a ti. não sei se isso pode alterar o que quer que seja. as relações entre as pessoas são labirintos onde é mais fácil entrar do que sair. uma parte é um jogo. um jogo muito sério. pode ser perigoso. é sempre perigoso. se não o fosse não valeria a pena. o perigo de nos perdermos: amar e deixar de amar. um jogo que não dominamos, cujas regras não conhecemos de antemão e, por vezes, se vão revelando tarde demais. jogos sem saída, como becos. é aqui que sou perita. jogos que ficam por acabar. há também papéis a desempenhar, como no teatro, e não são sempre os mesmos para cada um dos protagonistas. um faz de ladrão, o outro de fugitivo. um faz de cicerone, o outro de estrangeiro que visita pela primeira vez a cidade. um faz de malandro, o outro de inocente. um quer seduzir a qualquer preço, o outro quer ser seduzido a qualquer custo. o que me parece decisivo neste jogo de animais inteligentes é não se poder conhecer previamente o desfecho. é isso que faz prolongar e crescer a intensidade, a dúvida, a insuperável dúvida. as certezas são menos interessantes. pelo menos no jogo do amor, ou se calhar em tudo. '

...

' quem não lê é como quem não vê ! '

autor desconhecido

' basta uma frase para me incendiar a cabeça '

autor desconhecido

' o pai-nosso tem menos de cinquenta palavras e seis delas são dedicadas a pedir a Deus que não nos deixe cair em tentação. '

pedro paixão

' há bocas que falam como quem beija e bocas que falam como quem morde. '

aldous huxley

' qualquer pessoa devia conseguir transcender-se '

inteligência emocional

' Há cada vez mais provas de que as posições éticas fundamentais que tomamos na vida decorrem de capacidades emocionais subjacentes. Para começar, o impulso é o meio através do qual a emoção se exprime; a semente de todo o impulso é um sentimento que quer traduzir-se em acção. (...) Do mesmo modo, a raíz do altruísmo reside na empatia, na capacidade de ler as emoções dos outros; quem é incapaz de sentir as necessidades ou o desespero de outra pessoa, não pode amar. E se há duas atitudes morais que os nossos tempos exigem, são precisamente estas, autodomínio e compaixão. '

autor desconhecido

' put me on your supermarket list ! '

aldous huxley

' como a Terra de há cem anos, a nossa mente ainda possui as suas Áfricas inacessíveis, os seus Bornéus e bacias amazónicas inexplorados. '

autor desconhecido

' o cinema é a vida em concentrado ! '

pedro paixão

' sabes melhor do que eu que o que fica por dizer é por vezes o mais precioso. o que se guarda de propósito para ser adivinhado. o que só fica sugerido e apela à inteligência sensível, provocando um incontrolável desejo, um incêndio por debaixo da pele. mas a ti digo-te tudo. '

al berto

‎' há frases a serem gritadas por todas as vozes / há frases escritas a vermelho em todas as paredes '

stars (music)

' When there is nothing left to burn,
You have to set yourself on fire. '

pedro paixão

a minha pátria é a minha caneta de escrever . preta .

al berto

' há uma navalha a cortar o betão das avenidas e um pássaro de enxofre nas feridas duras dos cabelos... / há uma cidade que se escapa para fora da noite e a luz do teu olhar dentro de uma janela antiga / há uma alucinação furiosa que me incendeia a veia e revela o teu rosto lívido ... '

al berto

papel branco repleto de ecos .

al berto

' beber em ti o olhar das horas. dispo-me e pressinto a dor de estarmos vivos. e lágrimas costuram-se ao sono que me vence. não nos voltaremos a ver. as palavras raramente se repetem. nunca voltam a balbuciar os mesmos risos. as mãos que tenho para te acordar olham-te da minha vigília. magoadas mãos sobre o teu corpo-oceano na caligrafia misteriosa doutros sexos. longínquos bosques nevados. e o ventre aberto das cidades inundadas. '

autor desconhecido

' há enganos tão bem elaborados que seria estupidez não ser enganado por eles . '

autor desconhecido

' o olhar é sempre o primeiro a tocar o corpo ' !

autor desconhecido

' Life is not about waiting for the storms to pass... it's about learning how to dance in the rain. '

autor desconhecido

' nenhuma cultura analfabeta pode absorver uma alfabetizada ' !

rilke - fecha-me os olhos...

' fecha-me os olhos e eu poderei ver-te
tapa-me os ouvidos e eu poderei ouvir-te
mesmo sem pés poderei alcançar-te,
mesmo sem boca poderei chamar-te...
corta-me os braços, adorar-te-ei
com o coração e com as mãos
trespassa-me o coração,
latejará o meu cérebro
e, se incendiares o meu cérebro,
mesmo assim levar-te-ei no meu sangue .'

autor desconhecido

' o que ele viveu com ela, mais nenhuma lhe podia ter dado .'

autor desconhecido

' o diálogo existe porque somos iguais mas principalmente porque somos diferentes uns dos outros '

agostinho da silva

"Não te poderás considerar um verdadeiro intelectual se não puseres a tua vida ao serviço da justiça; e sobretudo se te não guardares cuidadosamente do erro em que se cai no vulgo: o de a confundir com a vingança. A justiça há-de ser para nós amparo criador, consolação e aproveitamento das forças que andam desviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do amor."

pedro paixão

‎' eu, de meu, só tenho as palavras. fica tu com o resto do mundo. '

hannah arendt

' é isto a mortalidade: mover-se ao longo de uma linha recta num universo em que tudo o que se move o faz em num sentido cíclico . '

eça de queirós

' o português nunca pode ser homem de ideias, por causa da paixão pela forma. a sua mania é fazer belas frases, ver-lhes o brilho, sentir-lhes a música. se for necessário falsear a ideia, deixá-la incompleta, exagerá-la, para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita... que vá pela água abaixo o pensamento, mas salve-se a bela frase ! '

hannah arendt

' há muitas coisas que não podem suportar a luz implacável e crua da constante presença de outros no mundo . '

os maias

‎' eu quando começo a esperar, não ponho limites nenhuns às minhas esperas ... '

steve jobs

' se viveres cada dia como se fosse o último, provavelmente um dia vais acertar ! ' STAY HUNGRY. STAY FOOLISH.

miguel esteves cardoso - amigos

" Há grandes amigos que tenho a sorte de ter que insistem na importância da Presença com letra grande. Até agora nunca concordei, achando que a saudade faz pouco do tempo e que o coração é mais sensível à lembrança do que à repetição. Enganei-me. O melhor que os amigos e as amigas têm a fazer é verem-se cada vez que podem. É verdade que, mesmo tendo passado dez anos, é como se nos tivéssemos visto ontem. Mas, mesmo assim, sente-se o prazer inencontrável de reencontrar quem se pensava nunca mais encontrar. O tempo não passa pela amizade. Mas a amizade passa pelo tempo. É preciso segurá-la enquanto ela há. Somos amigos para sempre mas entre o dia de ficarmos amigos e o dia de morrermos vai uma distância tão grande como a vida. "

duas questões éticas

DUAS QUESTÕES ÉTICAS

a) Primeira questão:

Suponhamos que conheces uma mulher que está grávida, mas que já tem 8 filhos, dos quais 3 são surdos, 2 cegos e um atrasado mental.
Além disso a mulher tem sífilis. Recomendarias que ela fizesse um aborto?
Responde mentalmente, depois lê a segunda questão.

b) Segunda questão:

Está na hora de eleger o Presidente do Mundo, e o teu voto é determinante.
Os dados dos três principais candidatos são:

O candidato A está associado a políticos corruptos e consulta astrólogos. Tem duas amantes. Fuma como uma chaminé e bebe oito a dez martinis por dia.

O candidato B já foi destituído duas vezes, dorme até ao meio-dia, fumava ópio na escola e bebe um quarto de litro de whisky todas as noites.

O candidato C é um herói de guerra condecorado. É vegetariano, ocasionalmente toma uma cerveja e nunca teve casos extraconjugais.

Entre estes três candidatos, qual escolherias? (responde honestamente) Provavelmente o...... candidato C ?

Vê agora a chave:

O candidato A - era Franklin D. Roosevelt
O candidato B - foi nem mais nem menos Winston Churchill
O candidato C - era Adolf Hitler

(A respeito da questão do aborto: Se respondeste "sim", fica a saber que acabaste de matar Beethoven.)

lovely

' e desde esse dia que o mundo se escreve com as letras do teu nome. '

edgar morin

' a nossa missão deixou de ser conquistar o mundo e passou a ser civilizar este pequeno planeta em que vivemos ! '

downton abbey (serie)

she is such a child ! she thinks if you put a toy down, he will be sitting there when you want to play with it again .

the day after ...

There are 3 things that are scary to look at after a good night out: the mirror, your wallet and dialed numbers.

last night (movie)

" - reminds me why it didn't work ?!
  - geography and timing ! "

autor desconhecido

' esquecer uma mulher inteligente custa um número incalculável de mulheres estúpidas . '

Alberto Caeiro

' vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la, / porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez, / e nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar. '

Françoise Nielly




http://www.francoise-nielly.com/

fernando pessoa - livro do desassossego

' a minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. só me conheço como sinfonia . '

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Amor - António Mega Ferreira

«Algum dia eu haveria de entrar na normalidade dos que te amam. Amo-te. E dói escrevê-lo (que é pior, meu amor, do que dizê-lo). Amo-te, absoluta, impossível e fatalmente. E ouço, adolescente, uma música adolescente, para me lembrar de ti, porque lembrar-me de ti é lembrar-me que não consigo esquecer-te. E ouço música porque ouvimos música quando amamos, e tudo, no amor, é música, acústica da alma que se quer ser devorada, e, neste caso, dor (tão deliciosamente insuportável) de amar sem sequência nem expectativa de contrapartida, amar unicamente o puro objecto que desgraçadamente amamos. Isto é uma carta de amor, e é possivelmente ridícula (prova maior de que é, realmente uma carta de amor), ou porque perdi o hábito de as escrever, ou porque nunca tive a coragem de as enviar.
«Não percebes porque é que não te falo? Ainda não percebes que, na personagem que de mim eu enceno, não cabe a ameaça de uma derrota, a antecipação do desencanto, a sombra de um vexame? Não te falo, para não saber que o que eu te digo é apenas a forma contida de te dizer outra coisa, mas que essa coisa não é do teu mundo, nem do mundo que eu construí, nem do precário mundo que a nossa fragilíssima ternura mútua arquitectou. E tudo isto é literário, eu sei, mas – que queres? -, a literatura é o melhor de mim e é o melhor de mim que vive dentro da minha cabeça quando estou contigo.
«E depois, afastamo-nos. Beijo-te a correr, não sei se já reparaste, e quase fujo, porque sair do pé de ti é regressar ao que não és tu, o teu olhar e as tuas mãos, a tua alma e a tua voz, e isso, meu amor, transformou-se no insuportável intervalo entre dois encontros.
«Esta carta de amor é um excesso (e isso prova superiormente que é uma carta de amor): eu amo não a ideia de amar-te (durante muito tempo, eu julguei que era apenas isso), mas a ideia de perder-me no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, porque tudo aconselharia que eu me limitasse a mitificar-te, que é a melhor forma de evitarmos enfrentar a realidade.
«Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir.
«Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim.
«Há uns anos, este seria o momento de desmontar o discurso desta carta, de te mostrar os subtis mecanismos da alma e da máscara, de desdizer ironicamente o que já disse, de insinuar que, afinal, as-coisas-talvez-não-sejam-exactamente-assim. Mas as coisas são exactamente assim, e a carta, que poderia transformar-se num confortável exercício paródico, é, inevitavelmente, uma agonia e um embaraço. Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar. É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas ficam em ti como tu ficas no mundo: exactamente.
«Mas, repito: esta carta é um acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. E, no entanto, é preciso enviá-la, para que seja uma carta de amor, para que faça sentido como carta. Para que seja amor. Mas podemos imaginar uma saída elegante: para que possas conservá-la como pura carta de amor, quero eu dizer, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo: até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim.
«(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim.)»

fome de impossíveis

" Essa tendência para traíres, para mentires - e para seres perfeitamente franca. Para te esconderes - ou para te mostrares. Esse cuidado de te preservares tanto - para acabares a contar a tua história, a tua verdade, com todos os pormenores, a um desconhecido. Essa vontade de fugires, de saíres a correr quando alguém mostra que come...ça a conhecer-te, embora não te reveles, e essa vertigem de ficares. Essa indomável sede de alguém - e de não erstares com ninguém. Essa fome de impossíveis. Como pensar no meio desta confusão contraditória? É verdade e mentira, está bem e está mal, e não há saída. "
[Hector Faciolince]

domingo, 3 de abril de 2011

ma mère

' a manhã começa a dispersar o poema na luz incontida do mundo '

Imagem: 'Ma Mère'
Frase: Herberto Helder
 
 

espasmo sagrado das palavras...

Existia alguma coisa para denominar no alto desta sombria
masculinidade. Era talvez um cego escorrer
de sangue pelos anéis e flores do corpo.
Sei unicamente que era a força da tristeza, ou a força
da alegria da minha vida.

Havia tembém outra coisa a que se deveria dar
um nome belo e lento. Algo que se cercava de lágrimas
como uma árvore se vai cercando de folhas
inúmeras. Tudo isso começava
a aparecer nas vozes e inspirações como uma ardente
confusão. Depois, este vagarosa acender
da noite. O sangue despenhava-se
nas lagoas e grutas da carne. Hoje eu sabia
que era a tristeza, a tristeza - um poder
mais jovem que os demais.

Lá estariam sempre as grandes arcadas de fogo,
as portas, a loucura das pontes celestes.
Havia uma espécie de vocação implorativa, a doçura
do corpo subtilmente preso por crateras e picos
ao tumulto das sombras.

Eu baixava-me e tomava como nos braços
essa criança ignota.
E porões enchiam-se de água, eu seria em breve
um afogado. Tudo me inspirava
nessa noite abrupta, entre o começo e o fim
do mundo. Como pode um coração absorver
tanta matéria, tanta inocência da terra?
Apenas a minha força se dobrava um pouco,
e um novo calor corria nas palavras adormecidas
e delegava as mãos que se cobriam
de um sentido impenetrável.

e era uma espécie de retrato sem névoas, um eixo, um grito,
uma louca morte,
um espasmo violento e sagrado das palavras.

Herberto Helder

viagens

mãos

'sentir tudo através de uma mão. de duas mãos dadas. dois desconhecidos de mãos dadas. as mãos de dois desconhecidos a contarem histórias uma à outra, a confessarem segredos uma à outra, a rirem-se muito, a não ter medo uma da outra nem de nada, a não saberem nada uma da outra, nem do que era aquilo nem do que viria depois, a pousarem uma sobre a outra e a esquecerem juntas este cansaço da vida.' ]
 
Pedro Paixão

O 'tudo' não existe !

segunda-feira, 14 de março de 2011

Poema de Amor para Uso Tópico

Quero-te, como se fosses
a presa indiferente, a mais obscura
das amantes. Quero o teu rosto
de brancos cansaços, as tuas mãos
que hesitam, cada uma das palavras
que sem querer me deste. Quero
que me lembres e esqueças como eu
te lembro e esqueço: num fundo
a preto e branco, despida como
a neve matinal se despe da noite,
fria, luminosa,
voz incerta de rosa. 


Nuno Júdice

quarta-feira, 9 de março de 2011

este não-futuro (al berto)

Será que nos resta muito depois disto tudo, destes dias assim, deste não-futuro que a gente vive? (...) Bom, tudo seria mais fácil se eu tivesse um curso, um motorista a conduzir o meu carro, e usasse gravatas sempre. Às vezes uso, mas é diferente usar uma gravata no pescoço e usá-la na cabeça. Tudo aconteceu a partir do momento em que eu perdi a noção dos valores. Todos os valores se me gastaram, mesmo à minha frente. O dinheiro gasta-se, o corpo gasta-se. A memória. (...) Não me atrai ser banqueiro, ter dinheiro. Há pessoas diferentes. Atrai-me o outro lado da vida, o outro lado do mar, alguma coisa perfeita, um dia que tenha uma manhã com muito orvalho, restos de geada… De resto, não tenho grandes projectos. Acho que o planeta está perdido e que, provavelmente, a hipótese de António José Saraiva está certa: é melhor que isto se estrague mais um bocadinho, para ver se as pessoas têm mais tempo para olhar para os outros.

Al Berto, in "Entrevista à revista Ler (1989)"

o que é um romance (al berto)

Um romance é aquilo que o autor quiser que seja. O Herberto Helder tem razão quando diz que está tudo misturado: não se sabe quando é que a poesia não dá origem a um romance, quando é que um ensaio não é um romance, quando é que no interior de um ensaio não aparece um poema… Não vejo por que é que essas coisas hão-de ser catalogadas. Há páginas de grandes romances que são grandes páginas de poesia. Bom, mas isto é mais um pressentimento que uma certeza, que o início de uma teoria… É uma interrogação. O meu problema é que sempre li mais prosa que poesia. Na verdade, a poesia aborrece-me mais. Não é bem isso… é no sentido de que ocupa um espaço muito menor nas minhas leituras. A poesia é assim: abro um livro, leio este poema, leio aquele, depois arrumo, um dia volto…

Al Berto, in "Entrevista à revista Ler (1989)"

quando morre um homem (ruy belo)

Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração e na cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?

Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"

solidão - (rilke)

Solidão
A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.

Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:

então, a solidão vai com os rios...

Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"
Tradução de Maria João Costa Pereira






"Quero implorar-te
Para que sejas paciente
Com tudo o que não está resolvido no teu coração e tentes amar
As perguntas como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira
Não procures respostas que não podem ser dadas porque não serias capaz de vivê-las
...E a questão é viver tudo
Vive as perguntas agora
Talvez assim, gradualmente, sem perceberes, viverás a resposta num dia distante"

Rainer Maria Rilke

rilke

"Como suportar, como salvar o visível, senão fazendo dele a linguagem da ausência, do invisível?"

quinta-feira, 3 de março de 2011

porque !

•Porque a bondade que nunca repreende não é bondade: é passividade.
•Porque a paciência que nunca se esgota não é paciência: é subserviência.
•Porque a serenidade que nunca se desmancha não é serenidade: é indiferença.
•Porque a tolerância que nunca replica não é tolerância: é imbecilidade.

sonho

"O artista examina minuciosa e cuidadosamente os sonhos, porque sabe descobrir, nessas pinturas, a verdadeira interpretação da vida."


'A Origem da Tragédia'

soulmate

" - (...) Era a minha alma gémea.
- Provavelmente era. O teu problema é não compreenderes o que significam essas palavras. As pessoas pensam que uma alma gémea é o par perfeito e é isso que toda a gente quer. Mas uma verdadeira alma gémea é um espelho, uma pessoa que te mostra tudo aquilo que te retém, a pessoa que faz com que te centres em ti mesma para que possas mudar a tua vida. Uma verdadeira alma gémea é a pessoa mais importante que alguma vez conhecerás porque deita abaixo as tuas defesas e desperta a tua consciência. Mas viver com uma alma gémea para sempre? É demasiado doloroso. As almas gémeas entram na nossa vida para nos revelarem uma outra camada de nós mesmos e depois vão-se embora. E graças a Deus que assim é. O teu problema é que não consegues esquecer esta. Acabou Liz. O objectivo do David era dar-te um abanão, levar-te a abandonar um casamento a que tinhas de pôr fim, destroçar um pouco o teu ego, mostrar-te os teus obstáculos e vícios, abrir-te o coração para que pudesse entrar uma nova luz, deixar-te tão desesperada e descontrolada que tinhas que transformar a tua vida, depois apresentar-te à tua mestre espiritual e pôr-se a andar. Era esta a sua missão e saiu-se lindamente, mas agora acabou. O problema é que não consegues aceitar que essa relação tenha tido uma vida tão curta. (...)
- Mas eu amo-o.
- Então ama-o.
- Mas sinto a falta dele.
- Então sente. Transmite-lhe o teu amor e luz cada vez que pensares nele e depois esquece-o. (...) Deixa-o ir embora."



Elizabeth Gilbert.

temptation

A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. E é também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo...

Oscar Wilde

happiness

..."Se pudesses ser feliz, verdadeiramente feliz, por pouco tempo, mas soubesses desde o início que essa felicidade terminaria em tristeza e te traria dor, escolherias experimenta-la ou evitá-la-ias?"

in 'Shantaram'

difference

..."Há uma fatalidade em toda a excelência física e intelectual...É melhor não sermos diferentes dos que nos rodeiam. Os feios e estúpidos são os que mais aproveitam do mundo. Podem sentar-se a olhar e bocejar à vontade. Se não têm qualquer noção do que seja a vitória, é-lhes pelo menos poupado o conhecimento da derrota. Vivem como todos nós deveríamos viver, imperturbados, indiferentes e sem inquietações. Nunca causam a desgraça dos outros, nem sequer a recebem das mãos de outrem..."

Oscar Wilde*

mystery

..."Quando gosto muito das pessoas nunca digo a ninguém como se chamam. É como entregar uma parte delas. Aprendi a apreciar a discrição. Parece-me ser a única coisa que pode tornar a vida moderna misteriosa ou maravilhosa aos nossos olhos. A coisa banal pode ser encantadora se a ocultarmos."...

O. Wilde.

shantaram

..."Para ter a certeza que ninguém nos seguia,
usei o cabelo para cobrir o nosso rasto.
O sol pôs-se na ilha da nossa cama,
a noite nasceu evaporando ecos,
e nós encalhamos ali, em caracóis de luz,
as velas sussurrando atrás de nós.
Os teus olhos estavam sobre mim,
receosos das promessas que eu queria manter,
lamentando a verdade que dissemos
menos do que a mentira que calámos.
Eu fui ao fundo, muito fundo,
para lutar contra o passado por ti.
Agora ambos sabemos
que a tristeza é a semente do amor.
Agora ambos sabemos que viverei e
morrerei por este amor"

in 'Shantaram'

on the other side

"Quando considero a brevidade da existência dentro do pequeno parêntese do tempo e reflicto sobre tudo o que está além de mim e depois de mim, enxergo a minha pequenez. Quando considero que, um dia, tombarei no silêncio de um túmulo, tragado pela vastidão da existência, compreendo as minhas extensas limitações e, ao deparar-me com elas, deixo de ser deus e liberto-me para ser apenas um ser humano. Saio da condição de centro do universo para ser apenas um transeunte nas trajectórias que desconheço."


'O vendedor de Sonhos'

vox

.."A sua voz, naquela língua e naquela conversa, era surpreendentemente grave e sonora; os pelos dos meus braços formigaram com aquele som. A voz, (dizem os casamenteiros afegãos) é mais de metade do amor."...


in 'Shantaram'

lovers

..."...Sabia que as pinceladas de cor que ela excluíra deste resumo eram, pelo menos, tão importantes quanto os esboços que incluíra. O diabo, dizem, está nos pormenores, e eu conhecia bem os diabos que espreitavam e se escondiam nos pormenores da minha própria história. Mas ela tinha-me oferecido um monte de novos tesouros. Tinha aprendido mais sobre ela nessa hora exausta, murmurante, que em todos os meses anteriores. Os amantes encontram o seu caminho através destes vislumbres e confidências: são as estrelas que usamos para navegar no oceano de desejo. E as mais luminosas dessas estrelas são as mágoas e as tristezas. O presente mais precioso que podemos dar a um amante é o nosso sofrimento. Por isso, peguei em cada tristeza que ela me confessou, e fixei-a no céu, como uma jóia."...


in'Shantaram'

bodies

"......Na escuridão iluminada pela tempestade, as pérolas de suor e os pingos de chuva no seu braço eram como estrelas brilhando, e a sua pele era como um palmo de céu nocturno. Apertei os lábios contra o céu e lambi as estrelas. Ela conduziu o meu corpo para o seu, e cada gesto foi um encantamento. A nossa respiração era como o mundo inteiro entoando orações. O suor corria em regatos para desfiladeiros de prazer. Sob o manto aveludado da ternura, os nossos corpos abraçaram-se num fogo que fazia tremer, forçando os músculos a concretizar o que a mente desejara. Eu era dela. Ela era minha. O meu corpo era a sua carruagem e ela dirigia-o para o sol. O corpo dela era o meu rio, e eu tornei-me o mar. E o gemido que juntou os nossos lábios, no fim, era o mundo de esperança e dor que extasia os amantes e inunda as suas almas de felicidade.
O silêncio calmo e suave das nossas respirações, depois, estava desprovido de necessidade, de querer, de fome, de dor e de tudo o resto à excepção da pura e inefável perfeição do amor."



Shantaram

a cidade está deserta

"A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas.
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura!
Ora amarga! Ora doce!
Pra nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!"

Ornatos Violeta

things

'...Mais de dez milhões de pessoas passaram por essas árvores desde que foram plantadas e talvez, no máximo, dez as tenham observado detalhadamente.....'


Augusto Cury

i can't choose

Existem em todo o homem, a todo o momento, duas postulações simultâneas, uma a Deus, outra a Satanás. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de elevar-se; aquela a Satanás, ou animalidade, é uma alegria de precipitar-se no abismo.


Charles Baudelaire.

nunca amamos ninguém

"Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa."



Fernando Pessoa

adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.



Eugénio de Andrade.

ecce homo

Aquele que sabe respirar a atmosfera dos meus escritos sabe que é uma atmosfera das alturas, que o ar aí é forte. É preciso ser criado para esta atmosfera, de outra forma arriscamo-nos a apanhar frio. O gelo está perto, a solidão é enorme - mas vejam com que tranquilidade tudo repousa na luz! Vejam como se respira livremente!
Quanta coisa sentimos abaixo de nós!
A filosofia tal como a vivi, tal como a compreendi até ao presente, é a existência voluntária no meio dos gelos e das altas montanhas, a pesquisa de tudo o que é estranho e problemático na vida, de tudo o que, até ao presente, foi banido pela moral. Uma longa experiência, que possuo desta viagem dentro de tudo o que é interdito, ensinou-me a olhar, de uma maneira diferente da que seria desejável, as causas que até agora levaram a moralizar e a idealizar. (...)
O grau de verdade que um espírito suporta, a dose de verdade que um espírito pode ousar, foi o que me serviu cada vez mais para dar a verdadeira medida do valor.
O erro não é a cegueira; O erro é a covardia.


Ecce Homo
F. Nietzsche

'...que me saiba perder....p'ra me encontrar.....!'

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui ... Além ....
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi para cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...




Florbela Espanca
Sonetos

não vale a pena !

Ódio por ele? Não... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto...

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Como um soturno e enorme Campo Santo!

Ah! Nunca mais amá-lo é já bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!

Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda.
Ódio por ele? Não... não vale a pena...



Florbela Espanca
Sonetos

não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.



Fernando Pessoa

a besta e a loucura

'A Dependência é uma Besta que dá cabo do Desejo.
A Liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um Beijo.'


Jorge Palma

alma

"Alma vem do vocábulo latino 'anima'; o masculino ânimo é o 'animus' (vento, sopro).
A ideia mais primitiva de Alma prende-se com a vida e com o seu princípio: animado ou animal é aquele corpo que se move, respira, tem alento, tem sangue... Enquanto 'anima' significa em geral o princípio da vida, o 'animus' designa em geral o princípio do pensamento, o espírito, o dinamismo do ente animado, a coragem. Os Gregos usam a 'respiração' para significar 'anima' e o 'sangue' para significar o 'animus'.
Simplificando muito podemos reduzir a dois os sentidos globais de Alma: 1) princípio da vida, do pensamento ou de ambos; 2) princípio de inspiração moral.
O primeiro sentido aparece sobretudo nos debates filosóficos e epistemológicos sobre o ser vivo; o segundo é mais usado nas linguagens pré-filosóficas. Enquanto na filosofia a Alma adquire duas valências fundamentais - uma metafísica (a Alma como forma do composto humano ou como espírito) e outra de carácter mais ético (a Alma como 'senhora do corpo') - numa acepção mais ampla ela vem a ser ou a 'sede do psiquismo' ou a 'sede da vida moral'.
A diferença entre 'respiração' (anima) e 'sangue' (animus) já se encontra em Homero: Sangue significa paixão, vontade, espírito e evoca o sangue quente; Respiração, por sua vez, significa vida e evoca o sopro fresco da respiração animal.
O Sangue é então o ânimo propriamente dito e a Respiração é aquilo que faz com que o corpo viva, a 'anima'.
Segundo Homero, a 'respiração' ou vida abandona o vivente no momento da morte. Depois da morte do ser vivo, a Alma é concebida como o 'duplo' do morto, uma espécie de fantasma a ele semelhante, ainda de natureza corpórea e com uma estrutura empírica. Em Homero, como aliás, na mentalidade primitiva, a Alma reveste o duplo significado de 'vida em geral' (no caso dos viventes) e de 'duplo' do defunto (no caso dos mortos). Segundo os primitivos, três notas caracterizam a Alma: 1) a Alma é sopro, alento, hálito (por analogia com o processo de respiração); 2) outras vezes é uma espécie de fogo (por analogia com o calor vital); 3) outras vezes é sombra (por analogia à alma dos fantasmas). Os significados 1 e 2 apresentam-nos a Alma como princípio de vida, enquanto o 3 se refere mais à sobrevivência após a morte.
A ideia de Alma vai-se precisando e mesmo purificando à medida que os vários termos usados para se lhe referir pretendem descrever mais o 'duplo' (fantasma) próprio de cada um dos homens do que um indiferenciado princípio vital."


Logos

o retrato (da tragédia) de Dorian Gray

- Não existem boas influências, Mr. Gray. Todas as influências são imorais, imorais de um ponto de vista científico.
- Porquê?
- Porque influenciar uma pessoa é dar-lhe a nossa própria alma. O indivíduo deixa de pensar com os seus próprios pensamentos ou de arder com as suas próprias paixões. As suas virtudes não lhe são naturais. Os seus pecados, se é que existe tal coisa, são tomados de empréstimo. Torna-se o eco de uma música alheia, o actor de um papel que não foi escrito para ele. O objectivo da vida é o desenvolvimento próprio, a total percepção da própria natureza, é para isso que cada um de nós vem ao mundo. Hoje em dia as pessoas têm medo de si próprias. Esqueceram o maior de todos os deveres, o dever para consigo mesmo. É verdade que são caridosas. Alimentam os esfomeados e vestem os pobres. Mas as suas próprias almas morrem de fome e estão nuas. O temor à sociedade, que é a base da moral, e o temor a Deus, que é o segredo da religião, são as duas coisas que nos governam. E todavia...(...)
E todavia, acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expressão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico que o ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação. Nada mais permanece que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo. Mesmo o senhor, Mr. Gray, com a sua juventude de rubro rosa e a sua mocidade de branco rosa, teve paixões que o amedrontaram, pensamentos que o aterrorizaram, sonhos diurnos e sonhos dormindo cuja simples memória talvez o faça corar de vergonha...
- Pare! - balbuciou Dorian Gray. - Pare! Confunde-me. Não sei o que dizer. Há com certeza uma resposta às suas palavras, mas não a consigo encontrar. Não fale. Deixe-me pensar. Ou melhor, deixe-me tentar não pensar.



'O Retrato de Dorian Gray'
Oscar Wilde

bolas de sabão

Cada vez que respiramos, afastamos a morte que nos ameaça. (...) No fim, ela vence, pois desde o nascimento é esse o nosso destino e ela brinca um pouco com a sua presa antes de a comer. Mas continuamos a viver com grande interesse e inquietação durante o máximo tempo possível, do mesmo modo que sopramos uma bola de sabão até esta ficar bastante grande, embora tenhamos a certeza absoluta que vai rebentar.'




Irvin D. Yalom

medo ou paixão?

"Quando os nossos olhares se cruzaram, senti-me empalidecer. Acometeu-me uma estranha sensação de terror. Soube que deparava com alguém com uma personalidade simplesmente fascinante de tal modo que, se eu o permitisse, absorveria todo o meu ser, toda a minha alma, a minha própria arte. E eu não queria nenhuma influência externa na minha vida. (...) Tive a estranha sensação que o destino me preparava requintados prazeres e requintados desgostos. Assustei-me, e virei-me para abandonar a sala."



Oscar Wilde

imaginação

Imaginação.
É essa parte dominadora do homem, essa senhora de erro e falsidade, e tanto velhaca por não sê-lo sempre, pois seria regra infalível de verdade se o fosse infalível da mentira.(...)
Não falo dos loucos, falo dos mais sábios, e é entre eles que a imaginação tem o grande dom de persuadir os homens. Por mais que a razão proteste, não consegue valorizar as coisas.
Essa soberba potência inimiga da razão, que se compraz em controlá-la e dominá-la, para mostrar quanto pode em todas as coisas, estabeleceu no homem uma segunda natureza. (...)
Suspende os sentidos, fá-los sentir.
Tem seus loucos e seus sábios.
E nada nos despeita mais do que ver que enche os seus hóspedes de uma satisfação bem mais plena e completa que a razão. Os hábeis por imaginação satisfazem bem mais a si próprios do que os prudentes podem razoavelmente fazê-lo. Olham as pessoas com autoridade, disputam com ousadia e confiança - os outros com temor e desconfiança - e essa satisfação visível dá-lhes geralmente vantagem na opinião dos ouvintes. (...)
Quem dispensa a reputação, quem dá o respeito e a veneração às pessoas, às obras, às leis, aos poderosos, senão essa faculdade imaginativa?
Todas as riquezas da terra são insuficientes sem o seu consentimento. (...)
O maior filósofo do mundo, andando sobre uma tábua suficientemente larga, se houver abaixo um precipício, será dominado pela imaginação, ainda que a razão o convença da sua segurança. Muitos não poderiam sequer pensar nisso sem empalidecer de suor. (...)
O tom de voz impressiona os mais sábios e modifica o carácter de um discurso e de um poema.
A afeição ou o ódio mudam a face da justiça. (...seu gesto arrojado fá-lo parecer melhor aos juízes enganados por essa aparência.) (...) Pois a razão foi obrigada a ceder, e a mais sábia toma conta dos seus princípios, aqueles que a imaginação dos homens temerariamente introduziu em cada lugar.


Pascal

hope

"Às vezes, amamos apenas com a esperança. Às vezes choramos com tudo menos com lágrimas. No fundo o que nos resta: o amor e a sua responsabilidade, a tristeza e a sua verdade. No fundo o que nos resta: aguentar até ao amanhecer."


Shantaram*

'coincidências'

"...não se trata de acreditar ou não acreditar nas coincidências. O mundo inteiro é uma coincidência. Tive um amigo que me dizia que eu estava enganado ao pensar desta maneira. O meu amigo dizia que para alguém que viaja num comboio o mundo não é uma coincidência, mesmo que o comboio esteja a atravessar territórios desconhecidos para o viajante, territórios que o viajante nunca mais irá voltar a ver na sua vida. Também não é uma coincidência para o que se levanta às seis da manhã morto de sono para ir para o trabalho. Para aquele que não tem outro remédio senão levantar-se e acrescentar mais dor à dor que já tem acumulada. A dor acumula-se dizia o meu amigo, isso é um facto, e quanto maior for a dor menor a coincidência.
- Como se a coincidência fosse um luxo - perguntou Morini.
- A coincidência não é um luxo, é a outra face do destino e também algo mais - disse Johns.
- Mais o quê? - perguntou Morini.
- Algo que escapava ao meu amigo por uma razão muito simples e compreensível. O meu amigo (talvez seja uma presunção da minha parte chamar-lhe ainda assim) acreditava na Humanidade, portanto, acreditava na ordem, na ordem da pintura e na ordem das palavras, pois a pintura não se faz com outra coisa. Acreditava na redenção. No fundo até é possível que acreditasse no progresso. A coincidência, pelo contrário, é a liberdade total a que estamos condenados pela nossa própria natureza. A coincidência não obedece a leis e se lhes obedece nós desconhecemo-las. A coincidência, se me permite a comparação, é como Deus que se manifesta em cada segundo no nosso planeta. Um Deus incompreensível com gestos incompreensíveis dirigidos às suas criaturas incompreensíveis. Nesse furacão, nessa implosão óssea, realiza-se a comunhão. A comunhão da coincidência com os seus rastos e a comunhão dos seus rastos connosco."


Roberto Bolaño
2666

oferta + procura + magia

"E dizia-lhe: escuta as minhas palavras com atenção, camarada. Vou explicar-te qual é a terceira perna da mesa humana. Eu vou explicar-te. E depois deixa-me em paz. A vida é procura e oferta ou oferta e procura, tudo se limita a isso, mas assim não se pode viver. É necessária uma terceira perna para que a mesa não caia nas lixeiras da História, que por sua vez está permanentemente a desmoronar-se nas lixeiras do vazio. Por isso toma nota. A equação é esta: oferta + procura + magia. E o que é a magia? Magia é épica mas também é sexo, e bruma dionisíaca e jogo. E depois Ieltsin sentava-se na cratera ou latrina, mostrava a Amalfitano os dedos que lhe faltavam e falava da sua infância. (...) Seguidamente tirava uma garrafa de vodka da algibeira e dizia:
- Creio que está na hora de beber um copinho."



(in 2666)

estrelas ou metáforas

"Por vezes, consoante a forma como a víssemos, disse ele, essa questão tinha pouca importância, pois as estrelas que vemos de noite vivem no reino da aparência. São aparência, da mesma forma que os sonhos são aparência. (...) Na realidade, quando falamos de estrelas, é em sentido figurado. Isso chama-se metáfora. Uma pessoa diz: é uma estrela de cinema. Está a falar com uma metáfora. Uma pessoa diz: o céu está coberto de estrelas. Mais metáforas. Se derem um murro nos queixos a uma pessoa e a deixarem KO, diz-se que ele viu estrelas. As metáforas são a nossa maneira de nos perdermos nas aparências ou de ficarmos imóveis no mar das aparências. Nesse sentido, uma metáfora é como um salva-vidas. E não devemos esquecer que há salva-vidas que flutuam e salva-vidas que vão a pique ao fundo. Convém nunca esquecer isso. A verdade é que só há uma estrela e essa estrela não é nenhuma aparência nem uma metáfora nem surge de nenhum sonho ou pesadelo. Têmo-la lá fora. É o Sol. Essa é, para nossa desgraça, a única estrela. (...) uma estrela enlouquecida na imensidão do espaço."


2666

...porque somos movimento...

"Havia tanto tempo perdido em ti, eras o esboço daquilo que poderias ter sido debaixo de outras estrelas. O molde oco sou eu. Tu tremias, pura e livre como uma chama, como um rio de mercurio, como o primeiro canto de um passaro quando a alvorada desponta, e sabe bem dizer-to com estas palavras que te fascinavam porque pensavas que elas nao existiam a nao ser em poemas e que nao as podíamos usar.
Onde é que tu estás, onde estaremos nós a partir de hoje, dois pontos num universo inexplicável, próximos ou afastados um do outro, dois pontos que criam uma linha, que se afastam e aproximam de forma arbitrária, mas nao te vou explicar isso a que chamam os movimentos brownianos, é claro que nao te vou explicar isso, mas no entanto nós os dois desenhamos uma figura, tu és um ponto em qualquer parte e eu noutra, ambos em movimento, tu agora talvez na rue de lha huchette e eu no teu estudio vazio a ler este romance, e amanha tu na gare de lyon e eu na rue do chemin vert, onde descobri um vinho extraordinario, e pouco a pouco, vamos construindo uma figura absurda, desenhando com os nossos movimentos uma figura idêntica à que duas moscas fazem quando voam numa sala, daqui para ali, de trás para a frente, para cima, para baixo, espasmodicamente, travando no ar, travando o ar, e arrancando noutra direcção no mesmo instante, e esses movimentos vão formando um desenho. Uma figura. Qualquer coisa de inexistente como tu e como eu, como dois pontos perdidos em paris que vao de cá para lá, de lá para cá, fazendo o seu desenho, dançando como ninguém, para ninguém, nem sequer para eles mesmos, uma figura interminável e sem sentido."

O Jogo do Mundo*
Julio Cortázar


uma boca escolhida entre todas as bocas

....'...Toco na tua boca. Com um dedo, toco a borda da tua boca, desenhando-a como se saísse da minha mão, como se a tua boca se entreabrisse pela primeira vez, e basta-me fechar os olhos para tudo se desfazer e começar de novo, faço nascer outra vez a boca que desejo, a boca que a minha mão define e desenha na tua cara, uma boca escolhida entre todas as bocas, escolhida por mim com soberana liberdade para desenhá-la com a minha mão na tua cara e que, por um acaso que não procuro compreender coincide exactamente com a tua boca, que sorri por baixo da minha mão que te desenha.
Olhas-me de perto, cada vez mais de perto, (...e então brincamos aos ciclopes!), os olhos agigantam-se, aproximam-se entre si, sobrepõem-se! E os ciclopes olham-se respirando confundidos! ....as bocas encontram-se e lutam sem vontade, mordendo-se com os lábios...a dor é doce! E afogamo-nos num breve e terrível absorver simultâneo do fôlego....e essa morte instantânea é bela....'...


Cortázar

jean genet

"Não se aborda uma obra de arte como se aborda uma pessoa, um ser vivo ou outro fenómeno natural. Poema, quadro, estátua, exigem exame com um número de qualidades preciso.

Nenhum rosto vivo facilmente se revela, e contudo basta um pequeno esforço para descobrir-lhe o significado.

O importante é isolá-lo. Só quando o meu olhar o destaca de tudo em redor, só quando o meu olhar impede esse rosto de se confundir com o resto do mundo evadindo-se numa infinitude de significações cada vez mais vagas, obtenho a necessária solidão pela qual o meu olhar o recorta do mundo.

Nós que olhamos para a compreendermos e sermos por ela tocados.

O que interessa é o que a tela deve representar. Aquilo que eu pretendo decifrar nessa solidão é simultaneamente a imagem sobre a tela e o objecto real por ela representado. O primeiro passo é isolar o quadro do seu significado de objecto e então a imagem sobre a tela estabelece ligações com a minha experiência do espaço, com o meu conhecimento da solidão dos objectos, dos seres e dos acontecimentos.

Quem nunca ficou maravilhado com tal solidão nunca conhecerá a beleza da pintura. Se disser o contrário, mente.

Na origem da beleza está unicamente a ferida, singular, diferente para cada qual, escondida ou visível, que todos os homens guardam dentro de si, preservada, e onde se refugiam ao pretenderem trocar o mundo por uma solidão temporária mas profunda."


O Estúdio de Alberto Giacometti


blues

".....between midnight and dawn, baby we may ever have to part, but there's one thing about it, baby, please remember I've always been your heart....

Well it's blues in my house, from the roof to the ground,
And it's blues everywhere since my good man left town.
Blues in my mail-box, cause I can't get no mail,
Says blues in my bread-box 'cause my bread got stale.
Blues in my meal-barrel and there's blues upon my shelf,
And there's blues in my head, 'cause I'm sleepin' by myself.


.....e depois a chama do trompete, o falo amarelo a romper no ar e a desfrutar com os seus avanços e recuos sucessivos, e três notas ascendentes quase no final, hipnóticas, de ouro puro, uma pausa perfeita onde todo o swing do mundo dançava num instante insuportável, e então a ejaculação de um agudo que escorrega e que acorda, que cai como um foguete na noite sexual, a mão de Ronald a acariciar o pescoço de Babs e o crepitar da agulha enquanto o disco continua a rodar e o silêncio que existe em toda a música se desencosta lentamente das paredes, saindo de debaixo do divã, abrindo-se como uma realidade que não conseguimos agarrar, uma liberdade que diz tudo sem palavras e que extasia, porque o êxtase não é mais do que isso, música......"


Cortázar


....'...Tu também és feita de giz?...'....

....'... Só termina realmente aquilo que se recomeça cada manhã.
As pessoas deitam moedas sem saberem que estão a ser roubadas, porque a verdade é que estes quadros nunca se apagam. Mudam de passeio ou de cor, mas já estão feitos na mão, na caixa do giz, num sistema astuto de movimentos. Homenagem ao efémero, ao facto de aquela catedral ser um simulacro de giz que um balde de água lavará num segundo. Pagamos a imortalidade, a duração. Tu também és feita de giz?

Um mundo de giz e de cor rodava em torno deles, integrando-os na sua dança, batatas fritas de giz amarelo, vinho de giz arroxeado, um pálido e doce céu de giz azul-celeste com tons esverdeados nas proximidades do rio. A rua Dauphine de giz cinzento, as escadas de giz pardo, um quarto em tons de giz verde claro, as cortinas de giz branco, a cama com o poncho onde o giz gritava, o amor, os seus paus de giz sedentos de um fixador que os guardasse no presente, amor de giz perfumado, boca de giz cor-de-laranja, tristeza, e tanta falta de cor no giz a rodar num pó imperceptível, pousando-se sobre as faces adormecidas, sobre o giz agoniado dos corpos.

- Tudo se desfaz quando lhe tocas, até mesmo quando olhas - disse Pola. - És como um ácido terrível, tenho medo de ti.

- Tu dás demasiada importância às minhas metáforas.

- Não é apenas aquilo que tu dizes, é uma maneira de...Não sei, é como um funil. Às vezes tenho a sensação que vou escorregar dos teus braços e cair num poço. É pior do que quando se sonha que se está a cair no vazio.

(...)
- Tenho medo de ti, monstro americano. Tinhamos decidido que em minha casa não se falava de...

- De giz às cores.

- De todas essas coisas. ....'......



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