O escritor não prevê nem conjectura: projecta.
Acontece por vezes que espera por si mesmo, que espera pela inspiração,
como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se espera pelos
outros; se hesita, sabe que o futuro não está feito, que é ele próprio
que o vai fazer, e, se não sabe ainda o que acontecerá ao herói, isto
quer simplesmente dizer que não pensou nisso, que não decidiu nada;
então, o futuro é uma página branca, ao passo que o futuro do leitor são
as duzentas páginas sobrecarregadas de palavras que o separam do fim.
Assim, o escritor só encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus
projectos, em resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria
subjectividade; o objecto que cria está fora de alcance; não o cria para
ele. Se relê o que escreveu, já é demasiado tarde; a sua frase nunca
será a seus olhos exactamente uma coisa. Vai até aos limites do
subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito dum traço, duma máxima,
dum adjectivo bem colocado; mas é o efeito que produzirão nos outros;
pode avaliá-lo, mas não senti-lo.Proust nunca descobriu a
homossexualidade de Charlus, uma vez que a decidiu antes de ter começado
o livro. E se a obra adquire um dia para o autor o aspecto de
objectividade, é porque os anos passaram, porque a esqueceu, porque já
não entra nela, e seria, sem dúvida, incapaz de a escrever. Aconteceu
isto com Rousseau ao reler o Contrato Social no fim da vida.
Não é portanto verdade que se escreva para si mesmo: seria o pior
fracasso; ao projectar as emoções no papel, a custo se conseguiria
dar-lhes um prolongamento langoroso. O acto criador é apenas um momento
incompleto e abstracto da produção duma obra; se o autor existisse
sozinho, poderia escrever tanto quanto quisesse; nem a obra nem o objecto veriam o dia, e seria preciso que pousasse a caneta ou que desesperasse.
Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo
dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes
distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o
objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito. Só há arte para
os outros e pelos outros.
Jean-Paul Sartre, in 'Situações II'
domingo, 21 de outubro de 2012
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
Sándor Márai - A capacidade de criar
Se a vida tem mesmo algum
sentido, é só pela consciência de termos capacidade de trabalhar. O
trabalho do escritor, do compositor, do artista independe da idade, das
condições sociais... O criador espiritual é o único homem que leva para a
velhice o sentido da vida, a possibilidade de criar. Já o cientista, se
não tem laboratório e cátedra, fica estéril.
Sándor Márai, in 'Diário'
Sándor Márai, in 'Diário'
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Milan Kundera - As Perguntas Verdadeiramente Importantes
As perguntas
verdadeiramente importantes são as que uma criança pode formular - e
apenas essas. Só as perguntas mais ingénuas são realmente perguntas
importantes. São as interrogações para as quais não há resposta. Uma
pergunta para a qual não há resposta é um obstáculo para lá do qual não
se pode passar. Ou, por outras palavras: são precisamente as perguntas
para as quais não há resposta que marcam os limites das possibilidades
humanas e traçam as fronteiras da nossa existência.
Milan Kundera, in "A Insustentável Leveza do Ser"
Milan Kundera, in "A Insustentável Leveza do Ser"
domingo, 5 de agosto de 2012
goldfrapp - lovely head
http://www.youtube.com/watch?v=rO9KgkopQq0
It starts in my belly
Then up to my heart
Into my mouth
I can't keep it shut
Do you recognize the smell?
Is that how you tell?
Us apart
I fool myself to sleep and dream
Nobody's here, no one but me
So cool, you're hardly there
Why can't this be killing you?
Frankenstein would want your mind
Your lovely head, your lovely head
Your lovely head !
It starts in my belly
Then up to my heart
Into my mouth
I can't keep it shut
Do you recognize the smell?
Is that how you tell?
Us apart
I fool myself to sleep and dream
Nobody's here, no one but me
So cool, you're hardly there
Why can't this be killing you?
Frankenstein would want your mind
Your lovely head, your lovely head
Your lovely head !
quinta-feira, 21 de junho de 2012
G. Steiner, Errata
Um clássico lê-se de lápis na mão. (34)
Qualquer experiência modifica a consciência. (34)
A existência pessoal é um processo, encontra-se em prepétua mudança. (35)
A indiferença é uma enigmática área cinzenta. (35)
O 'desígnio palpável' da filosofia é o esclarecimento, uma limpeza sistemática da arrecadação da mente. (36)
Nunca é apenas meia-noite ou meio-dia. (49)
Quando nos esquecemos de para onde é que foi o 'esquecido', de onde é que ele regressa? (167)
É fascinante e instrutivo estar próximo de um homem ou de uma mulher que não pensa em part-time, cujos modos de presença corpórea 'encarnam' o pensamento. (170)
quarta-feira, 20 de junho de 2012
G.Steiner, Errata, p.30
O contexto que subjaz a qualquer frase de, por exemplo, Madame Bovary de Flaubert, é o do parágrafo em que está inclusa, do capítulo em que se encontra, de todo o romance. É também o do estado da língua francesa no tempo e lugar de Flaubert, o da história da sociedade francesa, e o das ideologias, da política, das associações coloquiais e da gama de referências implícitas e explícitas, que se inscrevem, seja através da subversão ou da ironia, nas palavras, no enunciado dessa frase específica. (...)
O contexto, sem o qual não pode haver nem significado nem compreensão, é o mundo. (...)
O significado está tão intimamente associado à circunstância, às realidades que percepcionamos (posto que conjecturais e transitórias) quanto o nosso prórpio corpo.G.Steiner, Errata, p.30
sábado, 7 de janeiro de 2012
paris je t'aime - são sempre os cegos que nos guiam!
Give just 7 min to genius Tom Tykwer, to tell the story that others need hours to express...
Francine... Je m'en souviens exactement
C'était le 15 mai
Le printemps tardait, la pluie menaçait
Et tu criais
Et tu étais admise bien sûr
Tu as quitté Boston emménager à Paris
Un petit appartement dans la rue du Faubourg Saint-Denis
Je t'ai montré notre quartier, mes bars, mon école
Je t'ai présenté à mes amis, mes parents
J'ai écouté les textes que tu répétais
Tes chantes, tes espoirs, tes désirs, ta musique
Tu écoutais la mienne
Mon italien, mon allemand, mes bribes de russe
Je t'ai donné un walkman, tu m'as offert un oreiller
Et un jour, tu m'as embrassé
Le temps passait, le temps filait
Et tout paraissait si facile, si simple, libre
Si nouveau et si unique
On allait au cinéma
On allait danser, faire des courses
On riait, tu pleurais
On nageait, on fumait, on se rasait
De temps à autre tu criais sans aucune raison
Ou avec raison parfois
Oui, avec raison parfois
Je t'accompagnais au conservatoire
Je révisais mes examens
J'écoutais tes exercices de chant
Tes espoirs, tes désirs, ta musique
Tu écoutais la mienne
Nous étions proches, si proches, toujours plus proches
Nous allions au cinéma, nous allions nager
Rions ensemble, tu criais
Avec une raison parfois, et parfois sans
Le temps passait, le temps filait
Je t'accompagnais au conservatoire
Je révisais mes examens
Tu m'écutais parler italien, allemand, russe, français
Je révisais mes examens
Tu criais, parfois avec raison
Le temps passait sans raison
Tu criais sans raison
Je révisais mes examens
Mes examens, mes examens, mes examens
Le temps passait
Tu criais, tu criais, tu criais
[Paris Je T'aime - Faubourg Saint-Denis]
Francine... Je m'en souviens exactement
C'était le 15 mai
Le printemps tardait, la pluie menaçait
Et tu criais
Et tu étais admise bien sûr
Tu as quitté Boston emménager à Paris
Un petit appartement dans la rue du Faubourg Saint-Denis
Je t'ai montré notre quartier, mes bars, mon école
Je t'ai présenté à mes amis, mes parents
J'ai écouté les textes que tu répétais
Tes chantes, tes espoirs, tes désirs, ta musique
Tu écoutais la mienne
Mon italien, mon allemand, mes bribes de russe
Je t'ai donné un walkman, tu m'as offert un oreiller
Et un jour, tu m'as embrassé
Le temps passait, le temps filait
Et tout paraissait si facile, si simple, libre
Si nouveau et si unique
On allait au cinéma
On allait danser, faire des courses
On riait, tu pleurais
On nageait, on fumait, on se rasait
De temps à autre tu criais sans aucune raison
Ou avec raison parfois
Oui, avec raison parfois
Je t'accompagnais au conservatoire
Je révisais mes examens
J'écoutais tes exercices de chant
Tes espoirs, tes désirs, ta musique
Tu écoutais la mienne
Nous étions proches, si proches, toujours plus proches
Nous allions au cinéma, nous allions nager
Rions ensemble, tu criais
Avec une raison parfois, et parfois sans
Le temps passait, le temps filait
Je t'accompagnais au conservatoire
Je révisais mes examens
Tu m'écutais parler italien, allemand, russe, français
Je révisais mes examens
Tu criais, parfois avec raison
Le temps passait sans raison
Tu criais sans raison
Je révisais mes examens
Mes examens, mes examens, mes examens
Le temps passait
Tu criais, tu criais, tu criais
[Paris Je T'aime - Faubourg Saint-Denis]
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Nuno Júdice, Jogo
Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.
Nuno Júdice, in "A Fonte da Vida"
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.
Nuno Júdice, in "A Fonte da Vida"
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